PATRICIA MICH (SOBRE MIM)








"Nasci chorando, Moinhos de Vento...
(...)
...64,66...68,um mau tempo talvez...
anos setenta "não deu pra ti..."
e nos oitenta eu não vou me perder por aí...."
(Bailei na curva)

Nasci em 1966, no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
Segundo um  roqueiro muito respeitado nos idos de 80, pertenço à tal "geração Coca-cola", embora eu nunca tenha gostado desse refrigerante.Mas eu adoro o Renato Russo, e por isso, tenho que concordar que minha geração é mesmo filha da Ditadura.
Embora eu ainda saiba de cor as músicas "Eu te amo meu Brasil" e "Prá frente, Brasil", que eu cantava na minha infância com muito patriotismo, só na década de oitenta, sob a influência de renatos e de cazuzas, fui me redimir com a democracia e lutar pela Anistia e pelo voto direto para Presidente.
Sorte que, na infância, na mesma frequência com que ouvia os hinos militares eu também ouvia Chico, Caetano, Gilberto, Vinícius, Elis e todos os da Bossa Nova.Eles certamente abriram caminho em minha cosciência para o que viria depois.Ouso dizer que eles praticamente moldaram meu caráter.Principalmente o Chico, o mais subversivo daquela limitada lista, visto que havia outros que eu só viria a conhecer mais tarde, e que também abririam a minha consciência, não só a política, mas também a emocional e a artística.
Fiz Letras e dei uma chance ao meu inato amor à Literatura e à Escrita.Poesias floresceram em meus caminhos sem que eu as pudesse impedir:nasciam em mim de maneira tão espontânea e incontrolável, quase psicografias, desde os 9 anos.
A adolescência em Brasília me colocou em contato com uma cidade mística, onde ingressei na Comunhão Espírita de Brasília ao mesmo tempo em que fiz meus primeiros contatos com a Ufologia e comecei a estudar, por conta própria, vida extraterrestre, controle da mente, neurolinguística entre outros assuntos afins com a espiritualidade ainda imatura e ávida de informações que havia em mim.Eu tinha apenas 13 anos...
Professora de Português nas horas não vagas, a Gramática sempre brigando com a Sociolinguística que meu guru Tarallo fez correr em minhas jovens veias.
Depois que fui mãe, quis horário flexível e resolvi dar vazão a outos talentos, adormecidos.Fui cursar decoração de interiores e ainda na escola, conheci minhas primeiras parceiras de trabalho e comecei a decorar festas, o que já fazia informalmente para familiares e amigos.
Mais de uma década se passou e, depois de ser empresária no mundo dos eventos, me vejo novamente professora de português, com muito orgulho, e concurseira, tentando entrar para a carreira no serviço público...
Voltei a escrever, uma das minhas muitas paixões e por isso decidi ter um blog na rede para poder publicar rápido o que o coração sente e o que passa na mente...
Meu blog deverá ser uma espécie de revista eletrônica, onde não só eu vou escrever, mas convidados também poderão colaborar.
Curtam muito esse esaço que é feito com muito carinho para quem quiser se informar sobre turismo, moda, decoração, opinião, cinema, literatura, enfim, o que eu puder trazer para o blog...
Um abraço a todos e fiquem com Deus
Patricia Mich










Em 1979 cheguei. Defrontei-me com um deserto de concreto cinza e luz que me deixaram desconcertada, desconfortável, quase constrangida.Não havia engarrafamentos nem poluição.Para ver favela, tínhamos que dar a volta no lago.De carro.Até a Barragem.Passeio de um dia, já na agenda compulsória dos parentes que vinham de visita.
Por dois longos anos chorei ao travesseiro, com saudades de outros paradigmas, naquele tempo ainda não esquecidos.
Depois fui me conformando, ao deparar-me com a Brasília mística, dos ets de Kronemberger e das vigílias de Uchôa. Entre elementais e nasceres da lua no extinto Trem do Lago, e os arroubos adolescentes pelos conjuntos de rock da cidade, (presente até nos ensaios) meio que sobrevivi: Pôr do Sol, Legião,Capital...que saudades...
Brasília, em teu seio participei de panelaços e buzinaços pelas diretas já, chorei no enterro do Tancredo, meu carro foi chicoteado pelo Louco General (sim,aquele ) montado em seu cavalo!
Depois veio a UnB, minha paixão pela Sociolinguística, por Tarallo, pela Análise do Discurso, pelos estudos da linguagem, o português para estrangeiros, o primeiro emprego, o noivado, o casamento...
E Tu,a cidade da qual antes eu fugia tanto, acabou por me dominar...a tal ponto que me senti tua filha legítima, e passei a defender-te dos que te queriam destruir: governos corruptos, grilagem de terras,destruição ambiental, destruição arquitetônica, políticos desonestos...vi teu Plano Piloto se inchar de miséria e lixo e ficaste doente.
E eu que até aqui era filha, me fiz mãe.Em solo materno aprendi a ninar minha filha para afastar os monstros que insistiam em chegar.
Muitos vieram.Destruíram meus sonhos e minha família.Roubaram meus poucos recursos, me enganaram.Fingiram ser meus amigos e me traíram.Aqui sofri o que jamais poderia imaginar.
Hoje não me encaixo mais uma vez em teus enquadramentos.
De novo te vejo árida, desértica, em vão deixo-me levar pelos teus rodamoinhos até os ipês.
Não me protegeste quando precisei.Fiquei sozinha num falso e desmistificado planalto, nada central.
Me descentralizei.E agora te vejo totalmente irrecuperável.A Utopia que eu queria que tivesse dado certo, não vingou.Muitos Juscelinos e Lúcios Costas estão desapontados.
Estou triste e por isso não posso te desejar um feliz aniversário.
Em busca de resgatar-te, cada vez mais me perco de ti e não te reconheço mais.Não és mais minha amiga.
Hoje choro ao te ver violenta no trânsito, violenta nas ruas.Vejo a falta de educação do teu povo e já nele não me incluo.
Escolas favelizadas.Juventude violenta e usuária de drogas.Ladrões invadem as casas.Morte no trânsito.Lixo infindável nas ruas.Corrupção esmagadora em todos os poderes.Governador preso.Hospitais destruídos e sucateados.O Lago morre sufocado pelas algas.As preferenciais das ruas já não mais existem.
Eu chego aos 44 anos sem asas, perdi a norte e a sul.Meus eixos estão sem eixo, nada monumental acontece.Tu chegas aos 50 anos em desvantagem: não podes desertar de mim assim como eu posso desertar de ti.Não podes me abandonar agora, pois já o fizeste num passado imperfeito, quando eras uma vez...
Meu Plano Diretor de te salvar das barbáries leste e oeste, das Câmaras Autolegislativas, dos espigões de 20 andares, não deu certo.Sigo viagem então, sem muita escolha.Sigo para frente, sem olhar pelo retrovisor.
No centro de um coração vazio, venta um planalto sem bandeiras e sem cristais brilhantes, desses que encantam as criancinhas.
Buscarei novamente outros paradigmas, que não o das tesourinhas e quebra-molas.
Preciso de ar mais do que de luz.Te chamei um dia de cidade-luz, lembra?
Agora as luzes se apagam, fraquinhas na minha lembrança.
Quisera eu te recuperar feito uma Dom Quixote de saias à minha maneira: com jardins de Burle e azulejos de Athos.
Mas não quero mais.Partiu há muito tempo a minha alma, muito antes de partir o meu coração.
E para não dizer que não falei de partidos, aprendi na década de 80, com um ex-Barão que se vestia de vermelho, que o meu partido é um coração partido.Mas tu sabes que como eu, muitos outros também partiram.
Adeus, querida, me juntarei à enorme multidão de Geraldos,Cazuzas e Osvaldos, entre outros...
Adeus, querida.Saiba que te amei.
Aqui jaz minha saudade nos mal-tratados campos de minha esperança.
Patricia Mich

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Esse texto ficou quase dois anos em minha cabeça, sem se juntar em nada, ele era apenas um apanhado de idéias sem muito nexo.Mas eis que em 2005 minha inesquecível e adorada avó parte para a pátria espiritual, deixando um vazio e uma orfandade irrefutáveis em meu coração, tão doloridos que enfim, o texto saiu assim:




Duas pontas*

“Minha vida tem duas pontas.”
(rascunho de um texto não acabado de 2003)

*in memoriam de Pulcheria Moraes Michaelsen, minha inesquecível avó (1910-2005)



A moça chegou abatida em casa,depois do enterro da avó.

Cumprimentou ligeiramente a filha e o marido e recolheu-se ao quarto para um banho quente.Estava com aquela roupa desde a manhã e já passavam das 8 da noite.

Sentia-se extenuada,sem mais nenhuma força.

Enquanto a ducha caía quente sobre a sua nuca,(tinha muita dor no pescoço,devido às tensões)tentava recapitular e ordenar em sua mente os últimos acontecimentos.Nos últimos dois dias muita coisa tinha acontecido.

O telefonema desesperado de sua mãe aos gritos,pedindo socorro,chorando,a recomendação ao irmão que chamasse a ambulância,os telefonemas aos irmãos,a correria e o nervoso a caminho da casa da mãe,o choro,o pânico...

Ao saber da morte da avozinha,o fim das esperanças de recuperação,o fim de uma era de vivências e lembranças ...

Depois o consolar ,o cuidar, o dar de comer para todos,o olhar para a avozinha na cama,tão miudinha,tão murchinha,tão bonitinha...

Um beijo emocionado e lágrimas quentes na véspera,à mesma cama,a avozinha ainda viva,que apertou firme a sua mão entre as dela,sem abrir os olhos,sem dizer uma palavra,mas dizendo tudo,adeus,eu já vou...

Enquanto a água quente descia sobre suas costas e ela tentava alongar o corpo dolorido ,passou a lembrar da infância,de histórias que sua avó tinha lhe contado,de coisas boas que tinha vivido com ela,do tanto que sua avó tinha se dedicado aos netos e até aos bisnetos...

De repente, teve a sensação boa que a sua avó estava bem e feliz,que o sofrimento dela enfim tinha acabado e que sua vida tinha sido uma missão perfeitamente cumprida.

Lembrou da avozinha a lhe dar passes ainda bebê,no berço.

Lembrou dos doces bons que a avozinha fazia para o dia a dia e para as festas.Pizza de pão,doce de abóbora,docinhos de banana,ambrosia,ambrosia de laranja,molho de baunilha,torta de maçã, creme de laranja,torta de banana,arroz doce,figos em calda,peixe ao escabeche...

Lembrou da avozinha a cuidar dela,quando teve hepatite aos 15 anos e ficou três longos meses de cama e a avozinha lhe fazia uma comida especial sem gordura e que estranhamente era mais gostosa do que a comida normal.

Lembrou das longas conversas sobre o Evangelho e sobre a doutrina espírita.

Lembrou da avó que fazia enxovais para os bebês carentes,tudo feito em caprichoso crochê e tricô,se errava um ponto,desmanchava e o fazia de novo.

Lembrou da ajuda diária que recebeu para cuidar de sua filha,pega no colo,dá a comida na boca e ,de repente,lembrou-se dela mesma,a dar comida na boca da sua avozinha,que tinha virado um bebê.

As pontas se tocaram.E continuou a lembrar.

Lembrou da avó exemplar que criou 4 filhas ,que costurava,dava aulas de costura,vendia Avon e Stanley,dos chás que fazia para reunir as amigas e vender os tais produtos.

A avó que foi forte e enterrou um marido, uma filha,vários irmãos ,irmã,cunhados,genro,amigos e amigas,que viveu tanto e que sobreviveu a tantas pessoas que brincava dizendo que tinham se esquecido dela...

Subitamente lhe vieram à memória os recentes acontecidos,e lembrou-se doloridamente do IML,do cartório,da funerária...Mas depois lembrou que tudo acabou em uma linda,breve e simples cerimônia de sepultamento,o resumo que fez da vida da avó,da prece preferida dela,que foi proferida em voz alta,do cantar o pai nosso ,das flores lindas a enfeitá-la e das outras que as pessoas colocaram lindamente sobre o caixão.Sua avó repousava bela, pulchérrima, serena,parecia apenas dormir.Não havia nenhum traço de sofrimento e assim foi sepultada.

A linda avó,olhos interminavelmente azuis,cabelos indefinidamente brancos,a avó da sotéia e das costuras de bonecas,das boas conversas,tinha finalmente ,no dia de seu enterro,ajudado a neta uma última vez: a encerrar um conto, um texto ,que tinha ensaiado e rascunhado quase dois anos antes,e que dançava em sua cabeça teimosamente, sem querer se organizar em frases e palavras,e que acabou em um arquivo de rascunho no computador.

As pontas finalmente se juntaram.A pessoa mais nova na sua vida ,a eterna novidade chamada Maria Vitória,vitória sonhada e planejada,e alcançada,mas que se converte todos os dias em novos desafios,os desafios da descoberta do ser mãe, do educar,do amar incondicionalmente sem deixar de impor limites,(eis aí a dificuldade e a descoberta diária de um filho em nossas vidas);e a pessoa mais antiga em sua vida,a que está desde sempre,sua amiga fiel ,sua avó querida e que ontem partiu para a pátria espiritual,ligando assim finalmente as duas pontas da sua vida,a que sempre foi e a que muda todos os dias,a mais velha e a mais nova,a que lhe integra e lhe diz quem é e de onde ela veio,e a que lhe desafia,lhe perguntando quem é e para onde vai.Sua filha de 7, sua avó de 95.Suas duas pontas,do meio que ela não sabe ,do meio de onde ela está,entre as duas ,com as duas e pelas duas.

Duas pontas.Ela o elo.Ela o nó.Nós, o laço.

Por fim ,as duas pontas se cruzam, formando um laço,o indefinível laço chamado amor.

Brasília,23 de novembro de 2005. 22:42 h